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A exaltação da Santa Cruz

O calendário litúrgico do mês de setembro tem uma festa que, para muitos, é motivo de surpresa e, para os que não têm fé, causa de escândalo: a festa da Exaltação da Santa Cruz, no dia 14. A surpresa de uns e o escândalo de outros podem ser expressos com a pergunta: Como é possível que a Cruz, símbolo de dor e lembrança de inúmeros sofrimentos, seja exaltada e tenha dado origem a uma festa?…

Foto por Priscila L. T. Nuzzi1

No tempo de Jesus, a cruz era sinônimo de suplício. Nela eram crucificados os piores criminosos da sociedade. Portanto, ser parente ou amigo de um crucificado era motivo de vergonha e de escândalo (cf. 1Cor 1,22-23). A cruz se tornou símbolo dos cristãos a partir do século IV, quando passou a ser venerada, beijada e colocada em lugares de destaque. Cresceu sempre mais a compreensão de que ela é o mais forte sinal do amor de Cristo por nós. Ele nos ensinou: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” – Jo 15,14).

Uma vez que a Cruz teve um lugar único na vida de Jesus, deve ocupar um lugar especial também na nossa, seus discípulos. Para o Filho de Deus, sua morte é vitória; para nós, ela é salvação. Entende-se, pois, a observação do apóstolo Paulo aos Gálatas: “Quanto a mim, que eu me glorie somente da cruz do nosso Senhor, Jesus Cristo” (Gl 6,14). São Pedro, por sua vez, observou: Jesus “carregou nossos pecados em seu próprio corpo, sobre a cruz, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça” (1Pe 2,24).

É fácil constatar que a humanidade tem feito – e em vão! – um grande esforço para eliminar da terra a cruz e o sofrimento. Diante das tentativas infrutíferas, multiplicam-se os que falam da dor. É muito fácil falar da dor. Mais fácil ainda é fazer da dor de outros manchete de jornais. Mas, para falar da dor com sabedoria, é preciso antes ter sofrido. E, interessante, diante do sofrimento, as palavras se tornam pobres, fracas, quase inexpressivas. É por isso, talvez, que as pessoas que mais sofreram são as que menos falam da dor.

Quando se abre o Evangelho à procura de alguma explicação de Cristo para esse problema, quando se percorre suas parábolas e sermões em busca de uma reflexão profunda sobre o sofrimento, a decepção é enorme: quase nada se encontra. Ela fala, sim, constantemente de cruz, mas não a analisa: apenas se apresenta como modelo e convida todos a segui-lo, cada um levando a sua cruz.

Mas, então, que resposta dar a alguém que sofre? Mais importante ainda: que resposta dar a si próprio, diante de uma dor profunda, inevitável?

A cruz do nosso Santuário A grande cruz de madeira do presbitério da igreja nova foi feita especialmente para o Santuário em 1970. É uma obra do escultor austríaco Hans Bachler, de Treze Tilhas (SC). O corpo de Cristo, uma tora inteiriça de madeira de cedro, mede 4,35m de altura; pesando 800 kg; está preso à cruz de 11m.  O trabalho é entalhado à mão, sem uso de maquinário, apenas talhadeiras manuais e formões.

Foto por Priscila L.T. Nuzzi2

No alto da cruz, Cristo sente-se abandonado, sozinho, esquecido de todos, até de seu Pai. Não tem nenhum consolo, nenhuma resposta para sua dor. Aliás, ela lhe parece até inútil. Toda a sua vida lhe parece inútil. Naquela hora, naquela situação, não encontra explicação para nenhum de seus porquês. Mesmo ao porquê que é a expressão máxima de sua solidão: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

Na verdade, naquela hora, como em toda a sua vida, o Pai estava a seu lado. Participava de sua dor, como só um Pai, e um Pai que é o próprio Deus, poderia fazer.  A dor de Cristo, seu abandono e solidão, foram sementes de vida, sementes de amor, de amizade, paz e solidariedade para os homens e mulheres, de todos os tempos. Ele passou por tal situação para que todos se sentissem menos sós, para que a dor de cada pessoa tivesse sentido e valor. E para que fosse, também, a salvação de muitos.

De vez em quando, Cristo convida outros a participarem desse seu abandono. Numa hora dessas, ele não dá resposta aos inúmeros porquês que normalmente surgem. Não é fácil, pois, amar uma situação assim. Torna-se, contudo, um pouco menos difícil quando ele é lembrado. Ele, que pouco falou de dor, porque foi a própria dor. Não discorreu sobre o abandono, porque foi, ele mesmo, o abandonado. Não precisou apresentar um tratado sobre a cruz: tomou a cruz que lhe ofereceram e percorreu o caminho necessário. Sabia que no Calvário a morte o aguardava, mas ela era prenúncio de ressurreição. Também a semente precisa cair em terra e morrer, para que dela possa surgir a vida, e vida em abundância.

Não, não adianta você perguntar “por quê?” diante de uma doença ou decepção, diante da morte de uma pessoa que lhe é muito querida ou de uma tragédia que se abate sobre a humanidade. É preciso, isto sim, pedir ao Pai que o enriqueça de amor e confiança, uma confiança e amor tais que o tornem suficientemente corajoso a ponto de se colocar em suas mãos – uma vez que ele é Deus, que ele é Pai, que ele é AMOR.

Para ajudá-lo a conseguir isso é que a Igreja o convida a celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz, no dia 14 de setembro de cada ano.

Dom Murilo S.R. Krieger, scj, Arcebispo Emérito de Salvador


 

1 A réplica da cruz da Jornada Mundial da Juventude: Chegou ao Santuário em setembro de 2011 e permaneceu. Já ficou exposta na entrada da igreja antiga e agora encontra-se no Salão Dehon.

2 A cruz do nosso Santuário: A grande cruz de madeira do presbitério da igreja nova foi feita especialmente para o Santuário em 1970. É uma obra do escultor austríaco Hans Bachler, de Treze Tilhas (SC). O corpo de Cristo, uma tora inteiriça de madeira de cedro, mede 4,35m de altura; pesando 800 kg; está preso à cruz de 11m.  O trabalho é entalhado à mão, sem uso de maquinário, apenas talhadeiras manuais e formões.

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