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Rito da comunhão: um só corpo e um só espírito!

No texto que apresentamos na edição anterior desta Revista São Judas, número 111, de Setembro de 2021, na página 9, pontuamos que o motivo pelo qual comungamos, segundo São Basílio, é que a comunidade, suplicando ao Pai, se transforme num só corpo, o corpo eclesial, escatológico, no único corpo de Cristo, formada pela ação do Santo Espírito de Deus. Na Liturgia Eucarística isso se realiza após a anamnese – άνάμνησις, palavra grega que quer dizer recordação, memória (lê-se anámnesis) – e a aclamação do povo: “Fazei de nós um só corpo e um só espírito” (Oração Eucarística III. MR p. 484). Ou seja, o alimento que Cristo distribuiu, o seu corpo, tem o poder de unidade, de comunhão, de tornar muitos fiéis em um só corpo.

“Isto é o meu corpo, que será entregue por vós” (1Cor 11, 24)

Jesus, sabendo de sua partida, realiza com seus discípulos e amigos de caminhada, a “ceia profética” naquele ambiente que foi chamado de Cenáculo. Então, ali, deixa-lhes o meio para dele participarem, antes de sofrer, “até que ela (a Páscoa numa linguagem escatológica) se cumpra no Reino de Deus” (Lc 16, 22).

A cena que pareceu inusitada aos apóstolos abre-se de forma nova para a Igreja das novas e futuras gerações de cristãos. Isto é, cumprido o mandato de Jesus naquela ceia primordial, a Igreja retoma o ritual que Jesus fez da partilha do pão e do cálice, no qual se conectou às comunidades cristãs nascentes na dinâmica da comunhão com o seu corpo e com o seu sangue. Teodoro de Mopsuéstia (Sec. V) vai ao cerne do rito da Comunhão quando diz: “Depois de nos alimentarmos do mesmo Corpo de nosso Senhor e de entrarmos em comunhão com Ele por meio deste alimento, tornamo-nos todos o único Corpo de Cristo e recebemos todos a comunhão e a união com Ele, que é a nossa cabeça”.

Nesse sentido, é possível compreender que a reunião com os seus discípulos na última ceia foi para que comungassem sacramentalmente do corpo e do sangue do Cordeiro da nova aliança e destacar à futura Igreja, após o mandato de interação dado por Jesus, que a comunhão do corpo e do sangue de Cristo é a culminância da celebração eucarística (SANTOS COSTA, 2006, p. 83).

Portanto, da memória que celebramos desse evento salvífico, vislumbramos junto ao altar a retomada da ida ao calvário e ao túmulo vazio; “uma ida não física, mas no memorial, ou seja, mediante a retomada ritual do sinal profético do pão e do cálice, mediante uma ação figurativa, sacramental e, portanto, absolutamente real” (GIRAUDO, 2008, p. 47).

Se os pés físicos permanecem na igreja, os pés da fé eucarística nos conduzem até o calvário, porém, não estacionamos na morte, mas nos dirigimos logo em seguida para o túmulo vazio, ou seja, a missa “é todo o Calvário, é todo o fulgor da manhã de Páscoa” (GIRAUDO, 2008, p. 53).

O solene “Amém” confirma, valida o Rito e conduz à Comunhão

O amém conclusivo da Oração Eucarística é como um hino para afirmar e ratificar tudo que foi vivido na celebração. A assembleia aclama assertivamente ao Pai: É assim! É verdade tudo isso que o sacerdote disse!

Para iniciar outro grande e estupendo momento ritual da liturgia eucarística, se faz necessária a consciência da aclamação do “Amém”, pois é preciso que os fiéis se aproximem dela (da liturgia) com as melhores disposições interiores, que seu coração acompanhe sua voz, que cooperem com a graça do alto e não a recebam em vão” (SC 11), mas com uma participação “consciente, piedosa e ativa” (SC 48). Por isso, se requer que, ao proclamar o amém, seja o coração do comungante abastecido de confiança e o conecte verdadeiramente com o Rito da Comunhão e que, “segundo a ordem do Senhor, o seu Corpo e Sangue sejam recebidos como alimento espiritual pelos fiéis devidamente preparados” (IGMR 80). E assim nos dirigimos para o Rito da Comunhão, seguindo a voz de Cristo que, segundo Santo Agostinho (Sec. V), “tem na terra uma voz muito grande” e, quando o aceitamos, os povos todos respondem: Amém

O Rito da Comunhão na história

Até o século IV a comunhão era uma regra bem presente entre as comunidades. Os fiéis comungavam frequentemente. Havia a prática de levar o pão consagrado no domingo para casa, e lá era guardado cuidadosamente para que, durante a semana fosse consumido antes de outros alimentos. Entretanto, com o tempo, a prática da comunhão perdeu sua frequência em muitos lugares. Sensibilizada com o esvaziamento do sentido da comunhão sacramental entre o povo, a Igreja fez várias tentativas de impor a comunhão dominical, ao menos aos domingos da Quaresma, sem muito resultado.

Durante a cristandade, a partir do Sec. XII, surgiu um movimento piedoso de contemplação ao Santíssimo Sacramento, mas nem isso fez o povo se aproximar e receber a comunhão. Nesses tempos a devoção e o olhar para a Hóstia consagrada era apenas a atitude dos fiéis. O Concílio de Latrão, em 1215, estabeleceu aos fiéis, no mínimo, comungar na Páscoa. Pela passagem da idade média, a Igreja promoveu um impulso que favoreceu o retorno do povo à comunhão. O Concílio de Trento, Sec. XVI, e os papas Pio X e Pio XII incentivaram a comunhão frequente, porém, nem sempre ligada à celebração eucarística. Com o advento do Concílio Vaticano II (1962-1965), se tornou claro que o lugar da comunhão é durante a Celebração da Missa.

O Rito da Comunhão: fator de vida eclesial.

A palavra communio, “comunhão”, designa tanto a participação dos fiéis na própria Eucaristia, referente ao Corpo de Cristo, como à comunhão entre os fiéis, na base da pertença a Cristo.

O Rito de Comunhão nos introduz na dimensão comensal da celebração – de igual valor e importância na celebração é a dimensão sacrifical da Eucaristia, porém, queremos destacar a comensalidade.

O banquete é preparado! O suporte vem com a Mesa da Palavra e com o oferecimento dos dons. A seguir, a comunidade é introduzida à refeição sagrada, a comunhão. Porém, não percamos o horizonte da fé, que os momentos antes da comunhão formam, com a Mesa da Eucaristia uma unidade, de tal modo que, a não participação na missa como um todo, fica incompleta.

A dinâmica do Rito da Comunhão – aqui se trata de todo o contexto do Rito e que comentaremos a seguir – tem a força de estabelecer laços de unidade, comunhão e partilha: o “nós”, muito presente nas orações, ganha expressão comunitária; o abraço que damos uns aos outros estabelece um vínculo de paz e fraternidade; e o comer do Cordeiro imolado, a refeição festiva em memória do Mistério Pascal de Cristo, é a expressão maior “do ser Igreja”, vínculo entre os participantes e aquele que os convidou, Deus (TABORDA, 2015, p. 265ss).

O Rito da Comunhão em si

De toda a celebração eucarística, um ponto se faz referência e conduz o fiel à comunhão com o Senhor: o Rito da Comunhão. Nele a liturgia do Concílio Vaticano II estabelece quatro momentos principais: o convite à Oração do Senhor, o Pai-nosso; o Rito da Paz; a Fração do Pão e a Comunhão.

A Oração do Senhor é a oração que Jesus ensinou. E “obedientes à Palavra do Salvador e formados por seu divino ensinamento” (MR p. 500) somos convidados a rezar a oração que os Padres da Igreja a tinham considerada uma oração de comunhão, devido ao teor eucarístico do “pão nosso de cada dia”. Esta oração “condensa a oração cristã”, pois abrange todos os pedidos necessários que o povo de Deus dirige ao Pai. Com uma postura orante, de pé e de braços abertos, o presidente e a comunidade irmanam-se em comunhão – não se dirigi ao Pai como “meu Pai”, mas Pai nosso – e, confiantes, suplicam ao Pai providente, colocam-se em seu colo e dispõe-se ao seu Reino ao fazer as sete petições, conforme o ensino de Jesus narrado no Evangelho de Mateus (Mt 6, 5-15): “Santificado seja o vosso nome;” “venha a nós o vosso reino,” “seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu;” “o pão nosso de cada dia nos dai hoje;” “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido;” “e não nos deixeis cair em tentação,” “mas livrai-nos do mal”.

O embolismo – acrescentar, introduzir alguma coisa – em seguida a oração do Pai-nosso, rezada pelo sacerdote, o “Livrai-nos de todos os males, ó Pai”, amplia o último pedido do Pai-nosso: “livrai-nos do mal” e pede para que toda comunidade seja libertada do poder do mal. Em seguida a comunidade encerra com a doxologia: “Vosso é o reino”.

O embolismo estabelece uma ligação entre a oração dominical, ou seja, a Oração do Senhor (CIC 2765), e o Rito da Paz.

O Rito da Paz na Igreja é muito antigo. Pelo Sec. II, no esquema de Justino de Roma, já se percebe uma menção sobre abraços com beijos, segundo o entendimento baseado em Mt 5, 23-25, como sinal de reconciliação e paz. Porém, o momento para esse ritual era na conclusão da liturgia da Palavra. Gregório Magno (Sec. VI) o deslocou para depois do Pai-nosso, como preparação natural para a comunhão.

O Rito romano atual evidencia que “o rito da paz no qual a Igreja implora a paz e a unidade para si mesma e para toda a família humana e os fiéis exprimem entre si a comunhão eclesial e a mútua caridade antes de comungar do sacramento” (IGMR 82). Nesse sentido, o gesto da paz está no eixo da unidade que o pai-nosso celebra; não se reduz ao gesto de cumprimento amigável, mas a comunhão entre os comungantes, ou seja, a participação na Eucaristia não se faz apenas com Cristo cabeça, mas se faz com a Igreja que está ali, o Corpo Místico de Cristo reunido ao redor do altar. Em outras palavras, o povo reunido por Deus, em Cristo, na unidade com o Espírito Santo, é chamado para o envolvimento com Cristo e com os irmãos, numa unidade pelo vínculo do amor.

Por fim, o rito da paz tem a seguinte disposição: a) oração pela paz: “Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos Apóstolos…; b) desejo de paz feita pelo presidente: “A paz do Senhor esteja…; c) o diácono ou o sacerdote convida o povo a que se deem a paz: “Irmãos e irmãs, saudai-vos em Cristo. Existem mais três fórmulas para esse convite (MR p. 501-502); d) Em seguida, de acordo com a rubrica, os participantes, segundo o costume do lugar, manifestam uns aos outros a paz e a caridade. Entretanto, os números 82 e 154 da IGMR orientam para a comedida e sóbria forma de prestar o gesto da paz, pontuando que fica para as conferências dos bispos, de acordo com a índole e os costumes dos povos, estabelecer as normas de realizar os gestos.

A Fração do Pão é realizada após a comunidade voltar à atenção ao altar, o centro da celebração, após ter transmitido a paz. Ela nos recorda um dos quatro gestos que Jesus fez na última ceia e que estão nas quatro narrativas da instituição: tomou o pão, deu graças, “partiu” o pão e deu-o.

A fração do pão, que é reservada ao sacerdote que preside a celebração, “ajudado, se for o caso, pelo diácono ou um concelebrante” (IGMR 83), não é um gesto menor ou sem importância na celebração litúrgica, mas tem um conteúdo simbólico e importante. Significa, diz a IGMR, Nr 83, servindo-se do texto de 1Cor 10, 17, “que muitos fiéis, pela comunhão no único pão da vida, que é Cristo, morto e ressuscitado pela salvação do mundo, formam um só corpo”. E ainda, J. ALDAZÁBAL, ao comentar sobre o parágrafo da Instrução Geral do Missal Romano, assinala que o gesto tem o sentido de fraternidade. Ora, se o pão do céu é dom de Deus, deve ser partilhado.

A expressão “partir o pão” está entranhada na cultura eucarística desde os tempos apostólicos. Era usada para identificar o rito eucarístico propriamente. Uma primeira abordagem nos remete à significativa e impressionante narrativa dos Discípulos de Emaús: “Eles narraram os acontecimentos do caminho e como o haviam reconhecido na fração do pão” (Lc 24, 35). Já os textos de At 2, 42 e At 2, 46 demonstram bem o uso da expressão.

No contexto da fração do pão se acrescenta o gesto de jogar um pequeno pedaço da Hóstia no cálice. Gesto antigo que tem o sentido de unidade na Igreja – unir a Eucaristia do papa com a dos presbíteros.

Enquanto se realiza a fração do pão, canta-se ou recita-se a súplica do Agnus Dei (Cordeiro de Deus) – o destaque à “súplica” ao Cordeiro de Deus é relevante.

Pela relevância histórico-litúrgica do gesto de fragmentar o pão na celebração, o Papa Sérgio I (Sec. VII) introduz o canto para acompanhar a fração. A rubrica do Missal Romano prescreve que as palavras da súplica do Cordeiro de Deus “podem ser repetidas várias vezes, se a fração do pão se prolonga. Contudo, na última vez se diz: dai-nos a paz” (Cf. MR p. 502).

O gesto da fração do pão revela muito. Portanto, conforme orienta o Nr. 321 da IGMR, “o gesto da fração do pão, que por si só designava a Eucaristia nos tempos apostólicos, manifestará mais claramente o valor e a importância do sinal da unidade de todos em um só pão e da caridade fraterna, pelo fato de um único pão ser repartido entre os irmãos”.

Por fim, vem a Comunhão, ponto culminante da celebração para todo o fiel que celebra o Mistério Pascal de Cristo. É o encontro sacramental com o Redentor na comunhão eucarística. É um encontro intransmissível que só o comungante pode experimentar como a realidade única e pessoal. Tal realidade vemos na passagem dos Discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35), onde se revela que Jesus os preparou e conduziu para que fizessem a verdadeira experiência de sua presença no Pão partido e distribuído.

O momento da Comunhão perpassa uma bela dinâmica: O sacerdote prepara-se por uma oração em silêncio; a seguir ele mostra aos fiéis o pão eucarístico e os convida ao banquete de Cristo. Terminada a ação comensal, todos, sacerdote e fiéis, oram por algum tempo em silêncio. Para elevar e completar “a oração do povo de Deus e encerrar todo o rito da Comunhão, o sacerdote profere a oração depois da Comunhão, em que implora os frutos do mistério celebrado” (Cf. IGMR 84-89).

Proposta de vivência litúrgico-catequética do momento da Comunhão

Cara leitora e caro leitor, propomos uma vivência que pode ajudar na compreensão da dimensão comensal/fraternal do Rito da Comunhão. Vejam a sequência:

  • Antes do encontro pedir que o grupo traga um pão de casa. Ao chegarem as pessoas na sala, entregue um palitinho com o nome da pessoa e fixe-o no pão e coloque numa bandeja, de forma que cada um possa depois identificar o seu pão. Coloque essa bandeja mais afastada do grupo, numa mesa num canto da sala. Porém, sem que as pessoas percebam, retire alguns pães da bandeja e os coloque em outra bandeja e esconda.
  • Prepare ainda uma mesa ao centro da sala com toalha vela/suporte (que será acesa no momento de espiritualidade) e a Sagrada Escritura.
  • Inicie com uma acolhida e um momento de espiritualidade e sensibilidade; em seguida uma oração (pode ser do Espírito Santo ou da forma que desejar). Em seguida, alguém apanha a Sagrada Escritura, que está na mesa preparada para ela, e proclama o texto de Mt 14, 13-21. Faça uma pequena meditação partilhada.
  • Depois do momento da Palavra, convide cada um a ir à mesa que está mais afastada para apanhar o seu pão que estará identificado, e convide-os para comer. Porém, antes de irem até lá apanhar o pão, faça uma oração de agradecimento.
  • Quando todos forem à mesa, alguns vão perceber que não tem um pão para eles. Perceba a reação de quem tem o seu pão. Será que haverá partilha? Ou haverá alguns com fome, enquanto outros se fartam?
  • Leia o texto de Paulo (1Cor 11, 17-34). Comentem e discutam sobre a partilha e a fraternidade da Comunhão.

Sami N. Abraão Sami N. Abraão – Catequista de Adultos da Paróquia/Santuário São Judas Tadeu

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