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Páscoa: Para ler e refletir

1 – SE A SEMENTE MORRE (Jo12,24).

Faz parte da ordem natural das coisas, uma certa alternância entre vida e morte. Para gerar e dar à luz um novo ser, a mulher tem que se sujeitar a uma não pequena forma de dor e morte. Seu organismo sofre alterações. Provoca dores.

Algo de si morre para formar um novo ser. Para criar e educar os filhos, o casal tem que estar disposto a consumir (morrer), muita energia, saúde, capacidade e tempo. Para tornar-se adulto, a criança tem que “morrer”.  Para brotar uma nova planta, a semente tem que morrer. Mais tarde, a fim de produzir, a flor cede lugar ao fruto. Para alimentar os seres humanos, o fruto tem que ser consumido (morre).

Para tornar-se um cidadão respeitado, o jovem tem que, consumir grande parte de sua adolescência e juventude, com estudo e aprendizado. Para ser uma pessoa virtuosa, é preciso matar os vícios e exercitar-se em boas práticas. Se se quer construir uma vida que valha a pena, é necessário fazer escolhas e opções que, muitas vezes, são como cortar na própria carne.

Isto é a lei da vida. Uma lei segundo a qual a morte gera vida, mais vida, ou vida nova. São como podas, e renúncias cujo valor não estão em si mesmas, mas no objetivo que se quer alcançar. Além disso, nesse processo, aquilo que custa vem sempre acompanhado de afetos e cuidados que amenizam a dor e a morte.

Isolamento social. Mais rigor nas práticas de higiene e limpeza. Medos, incertezas, questionamentos sem respostas e sensação de fim de mundo, compõem o cenário do fim do verão e do início do outono, deste ano. Muita gente reza, pede, suplica e trabalha para que, até o começo do inverno, o cenário se mude.

Contudo, se tudo isso, somado às muitas vidas consumidas no serviço a quem foi infectado, apenas trouxer o fim do perigo de contaminação, será muito pouco. O preço que está sendo pago, pelas vítimas de contaminação, pelo pessoal do serviço médico e hospitalar, pelas classes mais pobres da população, o que equivale a uma indescritível mortalidade, tudo isso deve gerar muito mais. Deve gerar muito mais vida entre todos os povos, línguas e nações.

2 – É PRECISO MUDAR.

Consideremos o seguinte. Há algumas décadas, quem sabe, mais de um século, foi-se estabelecendo um ritmo de vida cada vez mais frenético e agitado, na maioria das sociedades chamadas modernas. Aprendeu-se a estar sempre com pressa. Corre-se atrás de uma carreira profissional brilhante. Corre-se para conquistar honra e poder. Trabalha-se de um modo estressante, a fim de conquistar melhores níveis de bem-estar, ou de acumular uma quantidade de valores impossível de serem consumidos.

Desenvolveu-se a mania de querer dominar os outros e as coisas, com uma não disfarçada pretensão de ser melhor do que os demais. Para um tanto de gente, ficar para trás é insuportável, e pode precipitar no suicídio. Os “lerdos”, como idosos pobres, portadores de deficiências, doentes e pobres em geral, mais ou menos, correm o risco de tornar-se material descartável.

A indústria demonstra possuir um apetite voraz. Consome-se a si mesma com o objetivo de se superar. É demais tudo isso. A Terra mostra seu esgotamento e dá claros sinais de que foi ultrapassado o seu limite.

Todo esse conjunto de coisas que nos têm envolvido nos últimos meses, a planetária ameaça de contágio, o medo em escala mundial em relação ao invisível, o cenário vazio das ruas e praças das pequenas e megacidades , tudo isso, é como se a Terra estivesse (e talvez esteja) dizendo para a humanidade:

“VOCÊS NÃO PARAM, EU PARO VOCÊS. VOCÊS NÃO PARAM DE ME ESGOTAR, EU ESGOTO VOCÊS. VOCÊS ME MATAM, EU MATO VOCÊS. VOCÊS ACHAM QUE PODEM TUDO, EU LHES DIGO QUE POSSO MAIS. OUÇAM! EU ESTOU GRITANDO! MUDEM SUA LÓGICA. MUDEM SUA DINÂMICA DE VIDA. MUDEM SEUS PADRÕES DE RELACIONAMENTO COMIGO E COM O NOSSO CRIADOR.”

Se a presente ameaça global provocar significativas mudanças na humanidade, então poderemos dizer, que ela é como uma semente que caiu na terra, morreu e produziu frutos. Que tudo o que está havendo é uma morte que trará mais vida. Embora seja muito cedo para pretensas “profecias”, arrisco a dizer que, temos necessidades de mudanças em três dimensões:

  • MUDANÇAS NA RELAÇÃO DO HOMEM COM DEUS: É dever do ser humano, cultivar em si, a piedade, reverência e submissão ao Senhor, às suas Leis e às coisas sagradas. A liberdade religiosa e a liberdade de consciência são valiosas conquistas contemporâneas. Mas, sem Deus, as contas não fecham. Além disso, essas conquistas não são uma licença para ofender a Deus e ridicularizar os símbolos religiosos de quem crê. Mais ainda, não dá pra negar que, uma sociedade que desdenha do dever moral de, à luz da razão, procurar conhecer e aderir à verdade última das coisas, não ficará impune.
  • MUDANÇAS NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS: homens e mulheres, pais e filhos, pobres e ricos, crentes e não crentes, no mínimo, têm o dever de tratar-se uns aos outros de modo civilizado. Respeito e solidariedade, justiça e caridade, igualdade e diferenças são elementos básicos de qualquer forma de vida em sociedade. Desde a menor composição social, que é a família, até a maior, que inclui os habitantes de uma mesma Cidade. A desordem que, hoje, vemos instalada nos padrões de relacionamento, nas várias esferas sociais, têm produzido estragos irreparáveis, e não é possível suportá-los por mais tempo.
  • MUDANÇAS NA RELAÇÃO DO HOMEM COM A NATUREZA: todos os bens naturais têm uma destinação universal e são esgotáveis. É uma ofensa à razão, não reconhecer que esses bens não podem ser apropriados por uma minoria em prejuízo da maioria, nem podem ser consumidos de modo predatório. A terra, a água e o ar, as plantas e os animais existem em função do ser humano. Mas, o ser humano deve respeito a esses seres. Deve usá-los com senso de responsabilidade e equidade. Ou seja, sem esquecer que eles se destinam ao bem comum. O regime suicida, de “produção e consumo”, tem como subprodutos o desperdício, o descarte e o esgotamento. As ciências e as técnicas se desenvolveram de modo fantástico nos últimos séculos, porém não se pode continuar usando-as contra o ser humano.

3 – LEMBRA-TE QUE ÉS PÓ.

No início da Quaresma, o sacerdote impôs cinzas sobre nossa cabeça e disse: “Lembra-te que és pó e ao pó tu hás de tornar”. Este rito lembra-nos duas coisas. A primeira: viemos do pó da terra. Conforme a segunda narração da criação do ser humano, no livro do Gênesis, o Senhor Deus pegou o pó da terra, fez barro e soprou nele o seu hálito de vida. Fez o homem. Somos originários do pó da terra. E continuamos frágeis como um pouquinho de pó perdido no universo. Mas somos um pó querido e amado por Deus.

A segunda: não sabemos e não queremos saber quando, mas sabemos que vai chegar o dia, em que retornaremos ao pó. Será o fim de nossa peregrinação na Terra. Findará nossa missão.

A Vigília Pascal do Sábado Santo é uma Vigília Batismal. A leitura tirada do sexto capítulo da carta aos Romanos, que lemos todos os anos, faz-nos lembrar que, pelo Batismo, participamos da morte e ressurreição de Jesus. O Rito Batismal é um rito de ingresso, de união e comunhão com Cristo em sua vida, paixão, morte e ressurreição. Ao entrar no mundo, o Filho de Deus tomou a condição humana: fez-se pó, como nós. Viveu em tudo a condição humana, menos o pecado, embora tenha experimentado as consequências do pecado (sofrimento, dor, morte).

Contudo, por sua morte e ressurreição, Jesus ‘passou’ (passagem/páscoa) pela morte e aniquilou o seu poder de aprisionar e destruir o ser humano. No presente, a salvação que Cristo conquistou para nós, é o fato que, a partir do Batismo, recebemos as graças e as virtudes que nos tornam capazes de combater e vencer as tentações e as práticas mortais. Assim, quando nossa existência terrena chegar ao fim, quando voltarmos ao pó, a morte não nos poderá destruir nem aprisionar eternamente. Seremos conduzidos ao Pai.

Entretanto, enquanto peregrinamos nesta vida, devemos ser um pó que não se deixa levar pelos ventos da maldade e da perdição. Devemos espanar, de nós mesmos, a poeira que impede ver a realidade das pessoas e das coisas em sua profundidade. Devemos impedir, que se assentem em nós, a poeira da perversidade, do narcisismo, do materialismo e do egoísmo que, insistentemente sopram em nossa direção.

Devemos voltar, com frequência ao sacramento da confissão e pedir que Jesus nos lave outra vez os pés, que ficaram enlameados de barro ou empoeirados, porque andamos em lugares que não deveríamos ter ido. Cuidemos para que todas as nossas aberturas, da mente, alma e coração estejam fechadas à poeira e poluição, que envenenam as pessoas, muitas vezes, sem que elas percebam.

FELIZ PASSAGEM/PÁSCOA.

Padre Eli Lobato dos Santos, scj

Pároco e Reitor

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