29 nov Sociedade fast-food
“… ninguém mais tem a pretensão de citar o Salmo 40: esperei com paciência no Senhor (Sl 40,1)”
Na antiguidade a cidade de Roma era considerada o centro difusor de consumo do mundo e da sociedade universalmente conhecida por pão e circo. Hoje outros tantos países, que são considerados no bloco de primeiro mundo, estão bem à frente no que concerne à racionalidade do processo de acumulação, de consumo e da construção da nova sociedade, não mais do pão e circo, mas do ter e obter, por isso foram capazes, e ainda são, de disseminar, pelo mundo todo, formas, usos e hábitos, entre eles: o jeans, chiclets, coca-cola, self service e fast-food.
A sociedade atual tem experimentado há algum tempo a famosa comida fast-food, que nasceu em Wichita, no Kansas, nos Estados Unidos da América em 1916, e nos tempos atuais se tornou mundialmente conhecida. Literalmente fast-food significa em inglês, comida rápida, ou seja, são comidas preparadas em um pequeno intervalo de tempo. Além de possuírem essa característica principal, isto é, a rapidez, também são conhecidas como convenientes e formatadas. O objetivo desta reflexão não se baseia em tratar da comida, mas do termo fast-food, na perspectiva da sociedade atual.
Caracterizar a sociedade como fast-food tem o intuito de trazer à discussão um conceito muito pouco refletido, mas que está na “boca” de qualquer cidadão: o tempo. Quem nunca ouviu, ou até mesmo pronunciou a seguinte expressão: “não tenho tempo para nada”; “ah isso não vai dar tempo”; “é a falta de tempo”; “24 horas em um dia são poucas”; etc.. Mergulhados no sistema social do fast-food, isto é, tudo deveria ser para ontem, vamos construindo nossa história no cotidiano da vida. Porém, diante dessa perspectiva da rapidez, hoje o ser humano está perdendo a vivacidade em outras dimensões, que necessitam de uma atenção urgente.
Naturalmente há certas atividades do cotidiano que necessitam de pressa e rapidez, porém existem outras que precisam ser olhadas com profundidade e não apenas vistas. Olhar subentende o parar e contemplar, para que depois, possa obter com tranquilidade uma análise mais concisa e consciente. Porém, o fast-food não tem permitido que o ser humano realize tal atividade de contemplação. Afinal, para algumas pessoas permanecer alguns minutos de frente a um quadro de Tarsila do Amaral ou Portinari é uma perda de tempo. Permitir jogar uma partida de dama ou xadrez com o filho mais velho se tornou obrigação das babás e não mais dos pais. Esperar um bolo assar é tempo demais, para quem pode comprá-lo na padaria e ainda pode escolher qualquer sabor. Imagina se alguém perderá tempo em empilhar cartas e depois permiti-las cair, só para ver o famoso efeito dominó.
Outro aspecto da sociedade atual é a conveniência. A comida fast-food é boa e muito conveniente, afinal em uma praça de alimentação não há mais a partilha de uma pizza de oito pedaços, pois cada um come onde prefere, onde lhe é mais conveniente. E tudo precisa ser rápido. Às vezes é preferível ir em um local onde a fila está menor, do que esperar e poder saborear aquilo que desejava. Provavelmente, ninguém mais tem a pretensão de citar o Salmo 40: “esperei com paciência no Senhor” (Sl 40,1), afinal: “para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus” (Ecl 3,1).
Antes da implementação do sistema de alimentação fast-food, o momento da refeição e todo o seu ritual tinha outro significado. A partir de sua disseminação, o fast-food impõe seu ritmo ao tempo e ao espaço dedicados à alimentação, que passam a entrar em sintonia com as novas exigências da sociedade. A padronização torna-se condição para a crescente aceleração do movimento dentro das cidades. Nossa paisagem é modificada, pois os produtos mundializados, com seus símbolos e “marcas” ocupam o espaço nacional, tornando-o mundial. A “mercadoria” é, ao nosso ver, o fator globalizante.
Desse modo, vamos formatando nossa sociedade que perde a cada dia a sua cultura própria, afinal, é raro você ouvir alguém dizendo, pode começar a música, pois é mais fácil gritar: “dá o play”. Da mesma forma, se formos transferir esses conceitos de rapidez, conveniência e formatação para nossa sociedade, especificamente para nossas famílias, perceberemos que de fato não temos mais tempo nem para refletir sobre este tema, quem dirá para darmos uma volta na Igreja e ganharmos um pouco mais de tempo diante de Deus.
Padre Rarden Pedrosa,SCJ é pós-graduado em Ontologia, Psicologia Educacional e Gestão Educacional; bacharel em Filosofia e Teologia. Atualmente é Vigário Paroquial no Santuário São Judas Tadeu, São Paulo-SP; Diretor da Revista e Jornal São Judas e Diretor do Centro de Estudos León Dehon da Faculdade Dehoniana. Contatos: @rardenpedrosa / rardenscj@saojudas.org.br
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