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Ter a morte diante dos olhos é assumir a autenticidade do viver

Nesta sociedade de consumo, a possibilidade da morte funciona como se não existisse!

Nos tempos hodiernos vivemos em um contexto, no qual, o ser humano se vê inserido na “cultura de massa”. Os principais aspectos que caracterizam o século XXI é o impacto do progresso científico e tecnológico que, desencadeado a partir dos finais dos séculos XIX e XX, provocou alterações radicais na dimensão política, econômica, social e cultural do mundo inteiro.

Devido a este desenfreado progresso, surge a globalização, caracterizada pela evolução da tecnologia, das comunicações, dos meios de transportes, dos sistemas de informação e do avanço da pesquisa científica. Entretanto, “[…] o ideal do progresso é vazio, seu valor final é o de realizar condições em que sempre seja possível um novo progresso”. A globalização se difundiu no mundo do século XXI de tal forma desenfreada, que o seu controle fugiu das mãos do ser humano. Principalmente, o avanço dos sistemas de informação, no qual as notícias podem ser acessadas pelo indivíduo através do mundo virtual em tempo real. Além disso, o avanço e a produção rápida marcam a globalização do século XXI. O ser humano hoje vive da imediateza. Tudo deve ser feito e executado para ontem. A humanidade caminha de forma acelerada e sem freios.

A globalização marca um novo tempo histórico, uma nova situação socioeconômica e político-cultural que assinala o momento atual da história. O nascimento desta “nova cultura” contemporânea é marcado por uma série de mudanças. Há um emaranhado de valores que o ser humano acreditava, e agora foram esquecidos, para o advento de novos. Os valores a serem ensinados aos jovens parecem não ser mais possível da mesma forma como se dava “antigamente”, os rumos da política, depois da queda dos regimes socialistas, a perda de confiança na capacidade da ciência de construir um mundo melhor para todos face às ameaças ecológicas e à permanência da desigualdade social, os desmascaramentos da nossa visão de mundo como imposições de uma cultura dominante sobre outras que não puderam se expressar nas mesmas condições, tudo parece nos remeter a uma espécie de dissolução do que julgávamos até então como sendo, simplesmente, “a realidade”.

Com efeito, devido a este conjunto de aspectos, o ser humano vive atualmente numa sensação de dilaceramento. Estando inserido no mundo da massa, sente-se como fora do seu meio, da sua morada. Nesse mundo massificado todos dizem a mesma coisa, os tópicos e lugares comuns se repetem de boca em boca. O ser humano quando está inserido na cultura de massa vive no mundo do vazio, não tem opinião própria, por isso não consegue delinear o seu caminho, mas segue o caminho dos outros. O homem moderno é vazio, vive na era do vazio. Consequentemente, surge uma sociedade desorientada, massificada, na qual o indivíduo perdeu a sua identidade, a sua singularidade.

De fato, deve-se concordar que o mundo do século XXI está em crise, e isto, não somente pela mudança de valores ou mudança da organização social, mas, uma mudança das próprias estruturas da sociedade, que vem crescendo desde as grandes guerras mundiais com o avanço do progresso e da globalização. Por isso, os grandes temas da humanidade o sofrimento, a dor, a morte, de onde o homem veio, para onde ele vai, não são entendidos plenamente, e o “ser humano” entra numa espécie de melancolia que não o conduz a nenhum caminho, a não ser o caminho da “cultura de massa”, a “cultura do vazio”.

O avanço tecnológico da ciência é decorrente desde o século XX, dominado pela busca da pesquisa. Hoje, este avanço tem sido a cada dia um convite a permanecer no tempo presente. O progresso da medicina e dos seus aparatos tecnológicos tem refletido na melhoria da qualidade de vida do ser humano e no aumento da expectativa de vida. Isto fez com que se criasse um certo “mito de imortalidade”, tendo em vista a morte está cada vez mais distante da realidade das sociedades industrializadas e conectadas à era da tecnologia.

A morte, na sociedade do consumismo exagerado, é vista como uma conclusão inevitável de um processo natural. No mundo do século XXI, marcado por fatos diferenciados e que ocorrem a todo o momento, a morte é apenas mais um acontecimento. Mas porque é um fato tão desagradável e contrário a todos os conceitos, a filosofia do progresso ainda reinante pretende fazer desaparecer a morte, pretende escondê-la. O materialismo consumista não só tentou suprimir a morte na sua perspectiva unidimensional do presente, como agora parece possuído por um desejo de curar a morte através da tecnologia.

Nesta sociedade de consumo, a possibilidade da morte funciona como se não existisse. Ninguém a toma em consideração, ela é suprimida em toda a parte: nos discursos políticos, na publicidade comercial, nas séries de televisão e nos hábitos populares. Por hora não se morre, mas quem sabe um dia mais tarde. O ser humano no contexto atual busca por meio da medicina tecnológica ser “imortal”, assim o envelhecimento se torna cada dia mais tardio. Por certo, “hoje se vive – em boa medida – de costas para a morte, como se ela não existisse”.

Ao mesmo tempo, o século XXI tem sido a época da morte de massas. No século anterior (século XX) a morte em massa foi marcada, por exemplo, pelos campos de concentração e pela bomba atômica. Hoje, devido a pandemia do Covid-19 vivenciamos novamente esse momento trágico da humanidade, que é a morte de massa. Pessoas simplesmente se tornam números a serem contabilizados pela sociedade. Assim, a morte como indivíduo desaparece na corrida consumista para a felicidade, mesmo quando espreita sombria como uma realidade coletiva em holocaustos bárbaros. Mas é possível viver sem estar tomado por inteiro pela noção da possibilidade do fim da vida?

Ao aceitar a morte, vivenciando a angústia do nada de sua própria existência, o ser humano pode, na liberdade, escolher suas possibilidades. A liberdade em si é algo intrínseco ao ser humano, é o caminho rumo à autenticidade. A luta do ser humano, portanto, deve ser norteada pela busca da vida autêntica, do amor à verdade e à liberdade. Refletir sobre a morte é refletir sobre a condição humana, ter a morte diante dos olhos é estar preparado para quando ela vier. O homem não sabe quando vai morrer, mas a certeza de que, em algum momento, esse dia vai chegar pode levá-lo a estabelecer prioridades em seu cotidiano, e dar-lhe possibilidade de fazer tudo o que julgar importante, sem protelar o que julgar essencial, pois se deixar para amanhã o que pode realizar hoje, poderá não fazê-lo nunca. Por fim, vale ressaltar que diante da morte, o ser humano se vê “obrigado” a refletir sobre a vida, e é isso o que verdadeiramente conta, o que realmente interessa: pensar sobre o valor da vida. Portanto, o ser humano deve concordar com o pensamento que diz: “no sentido mais amplo, a morte é um fenômeno da vida”.

 

Padre Rarden Pedrosa,scj – Vigário Paroquial da Paróquia/ Santuário São Judas Tadeu. Pós-graduado em Ontologia, Psicologia Educacional e Gestão Educacional; bacharel em Filosofia, Teologia e Teologia eclesiástica. Atualmente é associado e conselheiro fiscal da Associação Dehoniana Brasil Meridional; membro da equipe editorial da Revista Território Acadêmico da Faculdade Dehoniana, Taubaté-SP.

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