10 abr Paixão de Cristo: Amor, Obediência e Morte
1 – DEUS ENVIOU O SEU FILHO.
Vamos imaginar a seguinte cena: em uma solene reunião das Três Pessoas Divinas, Pai, Filho Espírito Santo, o assunto principal é a situação em que vivem o “Povo de Deus” e a humanidade, em geral, sobre a Terra. O Pai considera que, desde o pecado de nossos primeiros pais, houve uma progressão na prática do pecado, sem excluir nenhuma das sucessivas gerações.
É verdade que Ele havia suscitado, em cada canto da Terra, mulheres e homens justos, sábios e filósofos, a fim de corrigir e orientar as nações no caminho do bem. Chegou mesmo a escolher um povo para ser o “Povo de Deus” (cf. Dt 7,6; 14,2). Fez surgirem, para esse Povo, grandes líderes como Abraão, Moisés, Josué, Rute, Ester, Davi.
Fez surgirem os grandes profetas como Elias, Eliseu, Isaías e tantos mais. Ao seu modo, todos obedeceram ao Senhor e fizeram ressoar as Leis, os Preceitos e os Decretos divinos. Muita gente deu-lhes ouvidos e levou vida exemplar. Mas, houve também, sempre e por toda a parte, gente teimosa e de “dura cerviz” (Ex 32,9) e de “coração de pedra” (Ez 11,19), que resistia à pregação dos enviados.
Então, antes de concluírem a reunião, o Pai levanta-se e diz que é necessário que o Filho, sob a ação do Espírito Santo, venha ao mundo, tomando a condição humana. Venha com uma altíssima missão:
“Revelar à humanidade a verdadeira face do Pai; Revelar ao ser humano como é ser humano, conforme os desígnios do Criador; Ensinar à humanidade a lei mais sábia e perfeita; Mostrar qual é o fim último que espera o ser humano.”
Conforme escreve S. Paulo, “chegada à plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho único nascido de uma mulher” (Gl 4,4), e assim, “o Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14).
2 – DEUS ENTREGOU O SEU FILHO (Jo 3,16).
Quando o padre fala que, “Deus entregou o seu Filho”, no íntimo de várias pessoas se processa uma reação inquietante e surgem perguntas: Como assim? Deus “entrega” o seu Filho à morte? Como entender tamanha crueldade da parte de um pai? Como pode ser isso?
Foi Jesus quem disse: “Deus enviou seu Filho ao mundo para salvar o mundo” (Jo 3,17). E disse também que, “a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz” (Jo 1,11; 3,19). A breve história de Jesus, o Filho de Deus, sobre a Terra transcorreu e terminou sob oposições, hostilidades, perseguições, julgamento e morte injusta.
Houve aqueles que O acolheram, aderiram e permaneceram com Ele, mas uma parte poderosa somente O agrediu. Deus Pai “entregou” o Filho para a sublime missão de salvar, iluminar e ensinar a amar. Mas, a rejeição não foi pouca.
Até hoje, naturalmente, em todas as nações, existem pessoas de boa vontade. Pessoas que são receptivas à mensagem de Jesus, procuram ouvir a voz dos legítimos pastores e fazem a diferença. São pessoas que não compactuam com o mal, o erro e a destruição. É aquela porção de semente que cai em “Terra Boa” (cf. Mt 13,8) e que germina, cresce e produz frutos que se aproveitam, como a solidariedade, bondade, justiça e caridade.
Deus, propriamente, não “entrega” o seu Filho à morte. São os homens que, dominados pela maldade, não O aceitam e matam-no. É como acontece em nossos dias, em nossa sociedade. Uma jovem opta por ser uma competente professora e vai a campo.
Todos os alunos e todas as colegas de trabalho que ela encontrar vão incentivá-la e apoiá-la? Se um jovem entra para a política com o sincero pensamento de trabalhar pelo bem comum, todos os seus colegas e todos os parentes vão apoiá-lo? Se um operário ingressa na fábrica com a determinação de ser um honesto trabalhador, por isso vai receber só incentivo de todos? Se um líder de comunidade começar um trabalho de conscientização entre os jovens, advertindo sobre os riscos do tráfico de drogas, com isso ele vai pôr ou não sua vida em risco? Todos sabemos que o bem não é aceito nem promovido por todas as pessoas. Esse é o “x” da questão.
Deus entregou o seu Filho para revelar o bem. Para fazer e ensinar a praticar o bem. A oposição foi forte. Mesmo assim, Jesus permaneceu obediente ao Pai. Prosseguiu fazendo aquilo para o que viera. Acabou vencido pela dureza do coração humano.
3 – SÓ O AMOR SALVA.
Afirmar que Jesus morreu para nos salvar, está certo. Porém, é preciso explicitar essa afirmação, sob pena de se cair em mal-entendidos.
S. João ensina que “Deus é amor” (1Jo 4,8). Com Jesus, o Amor veio até nós e foi “derramado em nossos corações” (Rm5,5). Somos seres capazes de amar, pois foi posta em nós a capacidade de amar. Contudo, amar requer um processo de aprendizagem, que deve ter início com nossas primeiras relações familiares. É desde o berço que se aprende (ou não) a receber e dar afeto. Devemos frequentar a escola do amor, transcorrer as suas várias etapas, exercitar suas várias práticas e progredir no conhecimento do amor.
Deus é amor, ama a humanidade e lhe enviou seu Filho, Amor em pessoa. Jesus pregou sobre o amor e suas exigências. Falou da relação que existe entre amar e perdoar. Disse que ama mais quem foi mais perdoado. Disse também que, a maior prova de amor é dar a vida por quem se ama.
Em Jesus, aparece a íntima relação que existe entre AMAR e OBEDECER. É impossível entender em que consiste o amor, segundo Jesus, sem reconhecer essa relação. Mais ainda, obedecer, não raro, compreende sacrificar a própria vontade, e sacrificar a própria vontade implica maior ou menor grau de SOFRIMENTO.
Todo o Mistério de Jesus só pode ser entendido segundo essa lógica: Jesus ama. Porque ama, obedece. Obedecendo, aceita suas consequências: DOR e MORTE. Por amor ao Pai e à humanidade, Ele não se subtrai à missão que O trouxe à Terra. Embora sofra oposição e hostilidades, vai em frente. Indo em frente, sofre e morre.
Então, o que nos salva é o AMOR, que se expressa na OBEDIÊNCIA e que inclui SOFRER e MORRER. Toda e qualquer pessoa que abrace uma causa ou missão pelo bem, fará isso por amor. Não receberá somente incentivo e apoio. Vai sofrer. Se perseverar, apesar dos pesares, e obedecer à sua decisão inicial, pagará o custo por sua ação. Mas, não ficará sem resposta.
4 – A OBEDIÊNCIA A DEUS NÃO FICA SEM RESPOSTA.
A compreensão de muitas coisas, fatos e acontecimentos requer análise e reflexão à luz da razão e à luz da fé. Isso é muito mais verdadeiro, quando se trata de acontecimentos nos quais as dimensões natural e sobrenatural estão entrelaçadas, embora distintas. A segunda leitura da Ação Litúrgica da Paixão, na sexta-feira santa, diz o seguinte:
“Cristo nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com grande clamor e lágrimas, Àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido por causa de sua submissão” (Hb 5,7).
Como foi “atendido”, se sofreu e morreu?
Sem um olhar penetrante, ficamos sem entender e duvidamos da Palavra de Deus. O Filho submisso, obediente e fiel até o extremo à missão que recebera do Pai, foi “atendido” porque a resposta do Pai é a Ressurreição. O Pai conduz os acontecimentos.
O Filho entra na morte e “mata a morte”, destrói o seu poder. O Filho “desce à mansão dos mortos”, como rezamos no Credo, chama à vida aqueles que haviam morrido, desde o velho Adão, e abre a “passagem” (Páscoa), para a vida que não se acaba.
Jesus “ama o Pai” (Jo 14,31). Experimenta certo abandono [Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Mt 27,46], mas permanece fiel. “O Pai ama o Filho” (Jo 3,35), por isso, “O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus … Deus o exaltou por sua direita, fazendo-O Chefe e Salvador” (At 5,30-31), proclama S. Pedro diante das autoridades religiosas.
Conosco dá-se de modo semelhante. Quando permanecemos fiel à nossa missão, mesmo quando ela nos custa maior sacrifício, não ficamos sem resposta. Ainda que essa resposta não seja como nós esperávamos.
Padre Eli Lobato dos Santos, scj
Pároco e Reitor
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