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“A Oferenda perfeita a Deus Pai…”

O sentido da Liturgia Eucarística na Santa Missa

 

Caro leitor, nos encontramos neste artigo para pensar um pouco sobre o momento central da missa. A Oração Eucarística tem um itinerário espiritual que nos conduz do prefácio até a glorificação de Deus Pai “por Cristo, com Cristo, em Cristo”. A Oração Eucarística, ou como falam os gregos αναφωρά  (anaphorá) – que quer dizer “conduzir ao alto, erguer, oferecer” – é a reapresentação do Mistério Pascal de Cristo. Exprime a mais intensa e elevada ação de graças e a “súplica mais profunda ao Pai, por Cristo no Espírito Santo”.

A origem da Oração Eucarística está na liturgia judaica que contempla uma ação de graças, a Birkat há-mazon – bênção de Deus para o alimento – a oração recitada no contexto da refeição familiar, que representa, para o judaísmo, o ato religioso por excelência. Essa dinâmica oracional passou para o cristianismo, uma vez que Jesus, ao instituir a Eucaristia durante a refeição tomada juntos aos seus discípulos, onde estavam numa relação direta com a celebração pascal dos judeus, deu-lhes a ordem de interação: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22, 19), tornando-se o novo paradigma para as celebrações em nome do Senhor, deslocando-se da liturgia judaica num rumo original.

Com Justino (por volta do ano 155), a Igreja tem o mais antigo testemunho anafórico. Ele relata que “no dia que se chamam do sol,[…] como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo povo exclama, dizendo: ‘Amém’”.

Até o século III as orações eucarísticas eram feitas sem uma fórmula escrita, porém com uma ligação à Tradição do Senhor, isto é, conforme as palavras de Paulo: “Eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmiti” (1Cor 11, 23).

Ocorreu que nos séculos IV e V, havia uma multiplicação de textos escritos, causando uma confusão pelo fato de que, muitos deles, não eram confiáveis por conta das imprecisões e erros teológicos e de conteúdo. A Igreja reduziu a circulação e passou a controlar os textos para se chegar à qualidade literária e fidelidade doutrinal. Com efeito, o “Cânon Romano” foi o único texto da oração eucarística a ser adotado na Igreja.

Com o Vaticano II houve a possibilidade de serem usadas novas Orações Eucarísticas, o que serviu para que o espírito da tradição dos primeiros séculos do cristianismo soprasse novos ventos e valorizasse a oração eucarística, o que deveria estar baseada num esquema, sem frações, parte deslocada ou com interrupções, na seguinte ordem dos principais elementos: Prefácio, “Sanctus”, Epiclese (pronuncia-se Epíclese), Narração da instituição, anamnese, Epiclese sobre a assembleia, intercessões e a doxologia.

Foi decidido pelo Magistério que manteria o texto do Cânon Romano, que já vinha sendo usado na Igreja desde o Sec. VI, mas com a nomenclatura no novo Missal Romano como Oração Eucarística I (já existia no Sec. VI). Foram, portanto, produzidos outros textos com diversas inspirações: a Oração Eucarística II foi produzida sob a influência na anáfora da tradição apostólica de Santo Hipólito (Sec II-III). A Oração Eucarística III teve inspiração galicana e hispânica (Sec. IV ao VIII).  A IV Oração Eucarística é de inspiração das anáforas antioquenas, sobretudo de São Basílio (Sec IV). Por fim, no Brasil, através do Congresso Eucarístico de Manaus (1975) com aprovação da Santa Sé Apostólica, foi formulada a V Oração Eucarística. Além desta, à Igreja do Brasil foram confirmadas outras orações eucarísticas para diversas circunstâncias, em torno de nove orações eucarísticas.

A estrutura da Oração Eucarística

A Oração Eucarística se apresenta numa dinâmica de discurso oracional elevado ao Pai pelo presidente, em nome da comunidade celebrante. Inicia com o bispo ou o padre que “convida o povo a elevar os corações ao Senhor na oração e ação de graças e o associa à prece que dirige a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo” (IGMR 78).

O Diálogo invitatório chama à oração. Coloca a assembleia na conexão com Deus. O sacerdote provoca: “O Senhor esteja convosco”. A resposta da assembleia: “Ele está no meio de nós”. Se forma aqui uma expectativa de compromisso que dispõe toda a Igreja.

A seguir, o convite para elevar os corações: “corações ao alto”. São Cirilo de Jerusalém ensina que os corações do povo se mantenham voltados ao céu para Deus e deixar em baixo as preocupações da vida.

Com isso, a resposta não poderia ser diferente: “O nosso coração está em Deus”. Cada fiel deve, então, assumir esse compromisso. Lembrar-se de Deus e colocar seu coração á procura e na esperança do Senhor.

Depois, entramos nos textos do prefácio. O que Justino define como ação de graças. A expressão central é “dar graças”. Para compreender esta expressão devemos recorrer ao vocábulo grego ευχαριστία (Eucharistia, ou sua forma verbal eucharistein), que quer dizer ser grato, reconhecido: a alguém. O sentido mais profundo nos conduz a compreender a força da graça e a grandeza de Deus e a nossa fraqueza. Portanto ação de graças não é um dizer obrigado, mas reconhecer e louvar a Deus que nos enviou Jesus Cristo como dom.

O Sanctus é um hino por excelência da celebração eucarística. Neste momento, todos os orantes se juntam à assembleia celeste que com voz forte louvam a Deus com “um hino que une o sanctus dos serafins (cf. Is 6, 3) e o Benedictus dos querubins (cf. Ez 3, 12). Pela proclamação incessante de seu louvor, os anjos reconhecem a superioridade santa de Deus”.

Depois desse momento de intensa aclamação, o perfeito louvor, passa-se para a Epiclese, onde quem preside pede a Deus Pai que mande o Espírito Santo a fim de que se mudem as espécies do pão e vinho no corpo e sangue de Jesus Cristo.

Epiclese, é a palavra grega formada por ἐπί (epí) + κλησις (klésis): direção para: chamado, vocação, que significa uma invocação para. Invocação que pede o Espírito Santo, a fim de realizar a transubstanciação.

A primeira epiclese introduz a narrativa institucional ou consagração. Esta dinâmica do pedido ao Espírito Santo para a transubstanciação está volta à assembleia que se reúne para fazer a comunhão. Este momento da consagração que a tradição cristã reconhece como o coração da oração eucarística, nos conecta com o lugar da última ceia de Jesus, na qual as suas “palavras e ações se realiza o sacrifício que ele instituiu”. No entanto, a consagração não pode ser um membro isolado na oração eucarística, pois existe uma “imprescindível cooperação mútua” entre o momento da consagração e todos os outros momentos anafóricos.

A epiclese que se liga a consagração, continua em unidade vital com os outros momentos. A aclamação anamnética é o lugar da assembleia intervir com a aclamação dirigida a Cristo. Ela é motivada pelo apelo logo após a consagração: “Eis o mistério da fé”. A assembleia nada mais faz senão anunciar em pé, em alto e bom som, a morte salvadora do cordeiro da nova páscoa. Não significa ficar na morte do Senhor Jesus, mas significa ao mesmo tempo anunciar a sua ressurreição. A expressão “mistério da fé” encontramos em 1Tm 3, 9 e “é como uma síntese do mistério redentor”. Entretanto, o mistério da fé revela todo o contexto da morte e ressurreição, Ascenção e tudo que se compreende o Mistério Pascal de Cristo.

Na anamnese, a Igreja estreita a ligação ao mandato de Jesus: “fazei em memória de mim”. Recebida a ordem de Cristo por meio dos apóstolos, “a Igreja faz a memória do próprio Cristo, relembrando principalmente a sua bem-aventurada paixão, a gloriosa ressurreição e a ascensão aos céus” (IGMR 79).

Lembrando que na primeira epiclese é pedido ao Espírito Santo que transforme as espécies eucarísticas no corpo e sangue de Cristo. Está, todavia, é ligada a uma segunda invocação do Espírito Santo, a segunda epiclese. Nela se pede ao mesmo Espírito Santo que transforme toda a assembleia comungante no corpo eclesial. Assim lemos na Oração Eucarística II: “E nós vos suplicamos que, participando do Corpo e Sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo”. E continua com a aclamação do povo: “Fazei de nós um só corpo e um só espírito!” (MR p. 480).

Então, fica claro o motivo pelo qual comungamos! Dizemos, como sugere São Basílio: “que celebramos a eucaristia para obter do Pai a transformação em um só corpo, o corpo eclesial, escatológico, místico. Nesse sentido, “a celebração da Eucaristia é para nós”.

Depois que se realiza o pedido de transformar os comungantes “num só corpo”, segue a oração eucarística com as intercessões. O mesmo pedido de transformação é ampliado à toda realidade da Igreja que no momento não estão presentes.

As intercessões contidas na Oração Eucarística II são feitas: “Lembrai-vos, ó Pai, da vossa Igreja que se faz presente pelo mundo inteiro”; Lembrai-vos do vosso filho(a), que chamastes deste mundo à vossa presença”; “Lembrai-vos também dos nossos irmãos e irmãs que morreram na esperança da ressurreição e de todos que partiram desta vida” (MR p. 480-481).

O fato de incluir nos pedidos as várias realidades presentes e ausentes é que na celebração eucarística está envolvida toda a Igreja. Então, a Igreja militante, a Igreja penitente e a Igreja triunfante, deverá ser mencionada, para que todos tenham parte na dinâmica da transformação no Corpo Místico, para que desde o Papa, todo o clero, todos os povos sejam transformados num só corpo. Além do que, todas as realidades presentes neste mundo, sejam transformadas, juntamente com os santos e todos que não estão neste mundo, sejam incluídas pelas nossas intenções: “Num só corpo”.

Por fim, surge a Doxologia que é a fórmula de louvor. A este louvor que motiva e anima toda a oração eucarística. A assembleia é chamada a responder com um grande amém final e, segundo Santo Agostinho, subscrever um documento a fim de validá-lo. O povo celebrante, de certo modo, deve se sentir convencido da importância de tudo que ouviu, viu e viveu na Liturgia, a fim de que o Amém seja verdadeiro e confiante.

 

Sami N. Abraão Sami N. Abraão – Catequista de Adultos da Paróquia/Santuário São Judas Tadeu

9 Comentários
  • Ana Celia Ribeiro Severo
    Postado em 09:06h, 23 setembro Responder

    Texto excelente., me ajudou muito.
    Deis te abençoe.

  • Antonio Carlos Gottardo Ladeia
    Postado em 09:17h, 23 setembro Responder

    Bom dia A Eucaristia e o momento de consagraçao ao Senhor o corpo e Sangue de nosso Senhor presente na Eucaristia e o momento liturgico mais importante que convocamos o espírito Santo Amém

  • Emília De Simone
    Postado em 10:06h, 23 setembro Responder

    Parabéns pelo artigo, amigo e professor Sami N. Abraão. É um grande privilégio estar a serviço de Deus, da igreja e de nossos irmãos junto com você. Obrigada pelos ensinamentos enriquecedores. Grande abraço!!

  • P. Cláudio Weber
    Postado em 10:10h, 23 setembro Responder

    Sami, parabéns pelo belo artigo. Leitores, bom proveito!

    • SAMI NOGUEIRA ABRAAO
      Postado em 18:49h, 23 setembro Responder

      Fico feliz por ajudar na compreensão de alguns aspectos da liturgia, apesar de minha limitação. Obrigado Pe. Cláudio!

  • Rosangela Pereira
    Postado em 06:59h, 24 setembro Responder

    . É sempre enriquecedor conhecer e se aprofundar num momento tão sagrado que é a Eucaristia.
    Gostei muito do texto.

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